"Se não era amor, era da mesma
família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A
saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que
a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou
depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou
voltando a pé pra casa, avariada. Eu sei, não precisa me dizer outra
vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez este
seja o ponto. Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão
longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu
estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a
gente muda o que sente, e que bastaria apertar um botão que as luzes
apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem
registro de ocorrência? Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que
não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era
uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois
travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era
amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem
medo. Não era amor. Era melhor.
Martha Medeiros
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